Ao longo de 50 milhões de anos de evolução do Homo Sapiens, nossa audição se especializou na arte de interpretar sons específicos emitidos pelos nossos pares, como clara intenção de comunicação. Sim, a audição mais refinada nos permitiu perceber pequenas modificações nos sons de fala, como a diferença entre o som “s” e o som “t”, que muda o significado das palavras, como a diferença entre “sessenta” e “setenta”. Assim, este sentido tornou-se fundamental para a interação entre pessoas. Afinal, um som pode mudar tudo.
Vamos entender melhor. A fala se forma basicamente através de dois tipos de modificações acústicas:
– Mudanças sonoras mais curtas e rápidas (perturbações de milissegundos): quando pronunciamos vogais e consoantes que, organizadas numa sequência e ordem específica, formam palavras e frases. A análise destas mudanças foi aos poucos atribuída ao hemisfério esquerdo (HE) do nosso cérebro durante nossa evolução, e
– Mudanças sonoras mais longas e estendidas (perturbações de segundos): quando mudamos a prosódia, entonação, o ritmo de fala, que dão significados linguísticos, semânticos e fonêmicos – dão sentido, intenção – às palavras e às frases. Coube ao hemisfério direito (HD) assumir esta outra tarefa.
Portanto, o HE que decodifica as palavras e frases de modo que a torná-la inteligível para nós, passou a ser dominante para compreensão ampla da fala em relação ao HD, no qual responsabiliza-se por uma análise interpretativa de intenção, regionalismo ou emoção por exemplo. Quanta evolução! Vamos aprofundar mais. Sabe-se também o percurso do nervo auditivo, que carrega os diversos sinais longos e curtos de fala sofre mudança de direção dentro do cérebro e não seguem até o hemisfério do mesmo lado e sim para o lado oposto. Ou seja, a fala captada pela orelha direita (OD) é interpretada pelo HE vice-versa. Como isso é possível? Graças ao nosso processo evolutivo, construímos um importante “ponte” no meio do cérebro que interliga o HE e o HD chamada de corpo caloso. É através desta estrutura que os sinais vindos do OD que chegam no HE (que interpreta sinais de fala) e os que vem do ouvido esquerdo (OE) chegam no HD (que interpreta melodias de fala, intenção).
Bom, então quer dizer que a fala que vem do OD é mais rapidamente analisada do que aquela que vem do OE pois chegam direto para o HE? Resposta: sim!
Mas, e quando a fala vem do OE? O que acontece? Está aí o pulo do gato: devido a este percurso maior, o OE processa informação de fala de forma mais lenta do que o OD pois precisa cruzar a “ponte” para chegar à sua estação final. Ou seja, o OD é dominante para fala em relação ao OE.
Quer mais? Pesquisadores em 2004 realizaram um experimento com jovens adultos com audição normal para verificar se existia diferença de detecção e interpretação de fala entre os OE e OD através da captação de atividade elétrica no cérebro. Chegaram à conclusão que:
1). Para a habilidade de detectar de presença/ausência de fala, ambos ouvidos funcionam de maneira simultânea, mas
2). Para interpretação linguística, o OD desempenhou cerca de 5% melhor do que OE. Quer mais ainda? O mesmo experimento foi repetido em outra pesquisa com idosos divididos por faixas etárias. Concluiu-se que esta diferença entre ouvidos aumenta progressivamente após os 60 anos devido a degradação do corpo caloso, da “ponte”. Por isso, caro leitor, quando quiser ouvir melhor sua música preferida, não hesite; desfrute-a com seu poderoso ouvido direito.
BIBLIOGRAFIA DE REFERÊNCIA: • Merges J. The Remarkable History of Right-Ear Advantage. Hearing Review. 2017 [acesso 07 janeiro 2018]; 25(1). Disponível em: http://www.hearingreview.com/2017/12/remarkable-historyright-ear-advantage/